domingo, 3 de junho de 2012

O cavalo e o burro, fábula, texto de Monteiro Lobato


horsedonkeybarlow_400O Cavalo e o burro, ilustração de Frances Barlow, metade do século XVII.

O cavalo e o burro
                                                                                              Monteiro Lobato
O cavalo e o burro seguiam juntos para a cidade.  O cavalo contente da vida, folgando com uma carga de quatro arrobas apenas, e o burro — coitado!  gemendo sob o peso de oito.  Em certo ponto, o burro parou e disse:
– Não posso mais!  Esta carga excede às minhas forças e o remédio é repartirmos o peso irmãmente, seis arrobas para cada um.
O cavalo deu um pinote e relichou uma gargalhada.
– Ingênuo!  Quer então que eu arque com seis arrobas quando posso tão bem continuar com as quatro?  Tenho cara de tolo?
O burro gemeu:
– Egoísta,  Lembre-se que se eu morrer você terá que seguir com a carga de quatro arrobas e mais a minha.
O cavalo pilheriou de novo e a coisa ficou por isso.  Logo adiante, porém, o burro tropica, vem ao chão e rebenta.
Chegam os tropeiros, maldizem a sorte e sem demora arrumam com as oito arrobas do burro sobre as quatro do cavalo egoísta.  E como o cavalo refuga, dão-lhe de chicote em cima, sem dó nem piedade.
– Bem feito!  exclamou o papagaio.  Quem mandou ser mais burro que o pobre burro e não compreender que o verdadeiro egoísmo era aliviá-lo da carga em excesso?  Tome!  Gema dobrado agora…
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Em:  Criança Brasileira, Theobaldo Miranda Santos, Quarto Livro de Leitura: de acordo com os novos programas do ensino primário. Rio de Janeiro, Agir: 1949.
VOCABULÁRIO:
Folgando: descansando, alegrando-se; excede: ultrapassa; arque: aguente; tropica: tropeça; maldizem: lamentam; refuga: rejeita.
José Bento Monteiro Lobato, (Taubaté, SP, 1882 – 1948).  Escritor, contista; dedicou-se à literatura infantil. Foi um dos fundadores da Companhia Editora Nacional. Chamava-se José Renato Monteiro Lobato e alterou o nome posteriormente para José Bento.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A coruja e a águia — fábula, texto de Monteiro Lobato

    Monteiro Lobato
Coruja e águia , depois de muita briga resolveram fazer as pazes.
– Basta de guerra — disse a coruja.  –  O mundo é  grande, e tolice maior que o mundo é andarmos a comer os filhotes uma da outra.
– Perfeitamente — respondeu a águia. — Também eu não quero outra coisa.
– Nesse caso combinemos isso:  de ora em diante não comerás nunca os meus filhotes.
– Muito bem.  Mas como posso distinguir os teus filhotes? 
– Coisa fácil.  Sempre que encontrares uns borrachos lindos, bem feitinhos de corpo, alegres, cheios de uma graça especial, que não existe em filhote de nenhuma outra ave, já sabes, são os meus.
– Está feito! — concluiu a águia.
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Ilustração francesa.
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Dias depois, andando à caça, a águia encontrou um ninho com três monstrengos dentro, que piavam de bico muito aberto.
– Horríveis bichos! — disse ela.  — Vê-se logo que não são os filhos da coruja.
E comeu-os.
Mas eram os filhos da coruja.  Ao regressar à toca a triste mãe chorou amargamente o desastre e foi justar contas com a rainha das aves.
– Quê?  — disse esta admirda.  — Eram teus filhos aqueles monstrenguinhos?  Pois, olha não se pareciam nada com o retrato que deles me fizeste…
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Para retrato de filho ninguém acredite em pintor pai.  Lá diz o ditado: quem o feio ama, bonito lhe parece.
Em:  FábulasMonteiro Lobato, São Paulo, Brasiliense, s/d, 20ª edição.
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Esta fábula de Monteiro Lobato é uma das dezenas de varições feitas através dos séculos da fábulas de Esopo, escritor grego, que viveu no século VI AC.  Suas fábulas foram reunidas e atribuídas a ele, por Demétrius em 325 AC.  Desde então tornaram-se clássicos da cultura ocidental e muitos escritores como Monteiro Lobato, re-escreveram e ficaram famosos por recriarem estas histórias, o que mostra a universalidade dos textos, das emoções descritas e da moral neles exemplificada.  Entre os mais famosos escritores que recriaram as Fábulas de Esopo estão Fedro e La Fontaine.
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José Bento Monteiro Lobato, (Taubaté, SP, 1882 – 1948).  Escritor, contista, dedicou-se à literatura infantil. Foi um dos fundadores da Companhia Editora Nacional. Chamava-se José Renato Monteiro Lobato e alterou o nome posteriormente para José Bento.
Obras:
A Barca de Gleyre, 1944  
A Caçada da Onça, 1924  
A ceia dos acusados, 1936  
A Chave do Tamanho, 1942  
A Correspondência entre Monteiro Lobato e Lima Barreto, 1955  
A Epopéia Americana, 1940  
A Menina do Narizinho Arrebitado, 1924  
Alice no País do Espelho, 1933  
América, 1932  
Aritmética da Emília, 1935  
As caçadas de Pedrinho, 1933  
Aventuras de Hans Staden, 1927  
Caçada da Onça, 1925  
Cidades Mortas, 1919  
Contos Leves, 1935  
Contos Pesados, 1940  
Conversa entre Amigos, 1986  
D. Quixote das crianças, 1936  
Emília no País da Gramática, 1934  
Escândalo do Petróleo, 1936  
Fábulas, 1922  
Fábulas de Narizinho, 1923  
Ferro, 1931  
Filosofia da vida, 1937  
Formação da mentalidade, 1940  
Geografia de Dona Benta, 1935  
História da civilização, 1946  
História da filosofia, 1935  
História da literatura mundial, 1941  
História das Invenções, 1935  
História do Mundo para crianças, 1933  
Histórias de Tia Nastácia, 1937  
How Henry Ford is Regarded in Brazil, 1926  
Idéias de Jeca Tatu, 1919  
Jeca-Tatuzinho, 1925  
Lucia, ou a Menina de Narizinho Arrebitado, 1921  
Memórias de Emília, 1936  
Mister Slang e o Brasil, 1927  
Mundo da Lua, 1923  
Na Antevéspera, 1933  
Narizinho Arrebitado, 1923  
Negrinha, 1920  
Novas Reinações de Narizinho, 1933  
O Choque das Raças ou O Presidente Negro, 1926  
O Garimpeiro do Rio das Garças, 1930  
O livro da jangal, 1941  
O Macaco que Se Fez Homem, 1923  
O Marquês de Rabicó, 1922  
O Minotauro, 1939  
O pequeno César, 1935  
O Picapau Amarelo, 1939  
O pó de pirlimpimpim, 1931  
O Poço do Visconde, 1937  
O presidente negro, 1926  
O Saci, 1918  
Onda Verde, 1923  
Os Doze Trabalhos de Hércules,  1944  
Os grandes pensadores, 1939  
Os Negros, 1924  
Prefácios e Entrevistas, 1946  
Problema Vital, 1918  
Reforma da Natureza, 1941  
Reinações de Narizinho, 1931  
Serões de Dona Benta,  1937  
Urupês, 1918  
Viagem ao Céu, 1932
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 Jean Ignace Isidore Gérard (França, 1803 — 1847), conhecido pelo pseudonimo J. J. Grandville, foi um grande ilustrador e caricaturista francês.